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Tratamento abrangente e focal: no que consistem e qual a efetividade?

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As intervenções direcionadas ao transtorno do espectro autista podemser classificadas quanto a sua intensidade. As variações nessa intensidade têmsido descritas na literatura como intervenções abrangentes e focais.

A intervenção abrangente consiste em um conjunto amplo de objetivosvisando um impacto global nos déficits centrais do autismo.  Para contemplar esses objetivos são características inerentes a esse tipo de intervenção o substancial número de horas e a longa duração. Alguns exemplos de intervenções   abrangentes   cujo   conjunto   de   procedimentos foram operacionalizados em manuais são o modelo Lovaas (Lovaas, 1987), o modelo Denver (ESDM; Dawson et al., 2010), o Treino de resposta pivotal (PRT, Koegel & Koegel, 2012), dentre outros.
Já a intervenção focal é direcionada para um limitado número de habilidades ou objetivos e, portanto, costuma ser de menor duração e intensidade em relação à intervenção abrangente. Intervenções focais podemser módulos dentro de intervenções abrangentes e programas educacionais.Exemplos de intervenções focais são o PECS (Bondy & Frost, 1994) e aanálise funcional do comportamento (FBA, Didden et al., 2006).

O BCBA define que a variação de carga horária nas intervenções abrangentes varia entre 30 a 40 horas semanais, enquanto que as intervenções focais devem variar de 10-25 horas por semana, com a carga horária sendo definida a depender da natureza dos comportamentos alvo ou outras considerações. Por exemplo, comportamentos graves que podem colocar a vida do indivíduo em risco podem requerer a carga horária mais alta por um período de tempo.

Resultados de estudos mostram que: 1) tratamentos com maior intensidade produzem melhoras mais acentuadas em relação àqueles com intensidade mais baixa. 2) Tratamentos ecléticos, isto é, aqueles que envolvem intervenção ABA junto com uma mistura   de tratamentos de diferentes abordagens, têm se mostrado inefetivos para a maioria das crianças com autismo (BCBA, 2019). Por essa razão, a recomendação do BCBA é que sejacontada a carga horária do paciente na intervenção ABA direta, descontando-se a carga horária das outras terapias.

Idealmente, a definição da carga horária de intervenção não deveria sebasear em critérios como idade do paciente, condição econômica da família, eliberação pelos planos de saúde, mas sim nas necessidades médicas dopaciente, avaliadas por equipe competente.

No Brasil, estamos a passos mais distantes do que é preconizado pelas evidências científicas no que diz respeito a intensidade do tratamento, a começar pela urgente necessidade de regulamentação da própria certificação do analista do comportamento que, felizmente, tem sido mobilizada por analistas do comportamento vinculados a Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, pelos fatores econômicos   familiares e que perpassam as autorizações do planos de saúde, escassez de políticas públicas, e pelas próprias características de nossa população. 

Supervisões realizadas em ambiente escolar e destinada aos cuidadores, ainda que não sejam contadas como carga horária de intervenção direta, são importantes para promoção do bem-estar   e aprendizado do indivíduo com autismo e, de modo algum, devem estar de fora do plano terapêutico. Incluindo a clara necessidade de generalização de habilidades aprendidas para novos ambientes e diante de diferentes pessoas, em especial, aquelas que convivem mais tempo com o paciente.

Porém, como preconizado no documento Clarifications Regarding Applied Behavior Analysis Treatment Autism Spectrum Disorder:   Practice Guidelines for Healthcare Funders and Managers (2nd  ed.), “apesar de esforços deverem ser feitos para envolver os pais e outros cuidadores no tratamento, tanto quanto possível, os clientes não devem ser privados de se beneficiar de intervenções ABA clinicamente necessárias, se o envolvimento do cuidador é menor que o ideal”. Essatem sido a luta de cada dia de familiares eprofissionais sérios envolvidos com a causa.

Referências:
Behavior Analyst Certification Board (2019). Clarifications Regarding Applied Behavior Analysis Treatment Autism Spectrum Disorder: Practice Guidelines forHealthcare Funders and Managers (2nd ed.). Disponível em: https://www.bacb.com/wpcontent/uploads/2020/05/Clarifications_ASD_Practice_Guidelines_2nd_ed.pdf

BONDY, A. S.; FROST, L. A. PECS: the picture exchan communication system training manual (1994). In: CHERRY HILL, N. J.Pyramid educationalconsultants, PECS Inc., 78 p.

Dawson, G., Rogers,  S., Munson, J., Smith, M., Winter, J., Greenson,  J., Varley, J. (2010). Randomized, controlled trial of an intervention fortoddlers with autism: the Early Start Denver Model. Pediatrics, 125, 17–23.

Didden, R., Korzilius, H., Van Oorsouw, W., & Sturmey, P. (2006). Behavioral treatment of challenging behaviors in individuals with mild mental retardation:Meta-analysis of single-subject research. American Journal of MentalRetardation, 111, 290–298.

Grigorenko, E. L; Torres, S.; Lebedeva, E. I.; Bondar, Y. A. (2018). Evidence-based  intervention for ASD: a focus on applied behavior analysis intervention. Journal of Higher School of Economics, 15 (4), 711-727.

Lovaas, O. I. (1987). Behavioral  treatment and normal  educational and intellectual  functioning in young autistic children. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 55, 3–9.

Koegel, R. L., & Koegel, L. K. (2012). The PRT pocket guide. Baltimore, MD: Brookes